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Madre Elvira

Lembrando a minha história, preciso reconhecer que Deus já estava agindo em minha vida e que o Espírito Santo guiava os meus pais e as circunstâncias, para me ensinar a maneira de viver a caridade, o amor, o serviço, e o apostolado que teria de cumprir. Deus prepara “os seus operários ao trabalho”, através de um plano bem preciso. Hoje abençôo o fato de ter nascido numa família numerosa, imigrada do sul da Itália devido a Segunda Guerra Mundial; sendo obediente aos meus pais, que pediam a mim e aos meus irmãos muitos sacrifícios. 
Presenciei a dependência do álcool do meu pai e a necessidade da minha mãe de trabalhar fora de casa, pois exercia a profissão de enfermeira. Meu pai muitas vezes tinha exigências e eu sentia que devia obedecer. Quando ele ficava sem cigarros, por exemplo, me chamava até que eu levantasse apesar de estar na cama, pois já era muito tarde. Relembrando agora esta história, preciso admitir que tudo isso era obra do Espírito Santo que queria formar em mim uma mulher livre dos medos, da preguiça e do bloqueio do sofrimento. Claro que uma menina sofre quando precisa sair da cama tremendo, para correr na escuridão noturna, atrás de um maço de cigarros para o pai. Hoje revelo este simples fato, para dar Glória ao Senhor que agia em mim, através da dependência e da fragilidade do meu pai. Em qualquer caso, isso me serviu para fortalecer a minha liberdade interior, a capacidade de transcender, não considerando o frio, o medo, o sono... Hoje me encontro servindo os jovens e as pessoas com as quais cruzo no meu caminho, que precisam de mim, de um sorriso, de um abraço, de uma palavra, de um aperto de mão, de um olhar expressivo...
Percebo dentro de mim uma força poderosa, capaz de doar minha própria vida em beneficio do próximo, essa me conduz a pensar nos outros em primeiro lugar e não nas minhas necessidades de fome, de sono, de cansaço, nos meus medos e na doença. Gostaria que esta fosse uma mensagem para muitos jovens e moças, que me escrevem contando a triste história das suas mocidades; onde muitas vezes essas se fecharam no negativo em que viviam. Gostaria de convidá-las para reler suas histórias na ótica da fé, olhando para Deus que é Pai, que nunca nos abandonou, e que nunca nos perde de vista. Hoje acredito que cada pequena dor foi vivida com Jesus, foi absorvida, sofrida e derrotada por Ele. Estas são as minhas lembranças de menina, muitas cruzes, muitas alegrias, muita presença de Maria...Conto tudo isso, mesmo para que cada menina, cada mulher, todos vocês que estão lendo estas linhas, possam receber o entusiasmo, e a alegria pensando que Deus quer tecer uma história apaixonada com cada um de vocês que vivenciaram dramas na família, humilhações, frustrações, marginalização, violência. Saibam que a dor, é a oração mais autêntica, é Jesus na cruz, Jesus vivo hoje, Jesus ressuscitado para nos consolar!
Como mulher, nunca teria iniciado uma aventura como aquela, de viver 24 horas  na companhia de 24 viciados, pois era consciente dos meus limites e  como consagrada devo reconhecer que Deus agia além da minha fraqueza, fragilidade e do meu pecado. Percebi que os jovens foram abandonados e marginalizados por esta sociedade consumista. Descobri que nas famílias não havia o diálogo, comunicação, e a confiança entre os casais e nem entre os filhos para com os pais: os jovens eram deixados sozinhos. Assim nasceu o chamado de abrir as portas a eles, aos sem rumos, aos mais desesperados que se encontravam nas estações, nas ruas e nos trens. A vocação que vem de Deus te torna capaz de fazer obras e acreditar em coisas que nunca teria pensado nem imaginado, e no mesmo tempo não era fácil explicar tudo isso aos meus superiores. Solicitei muitas vezes a eles, e por muitos anos, a possibilidade de abrir uma casa onde pudesse acolher estas pessoas mas eles sempre colocaram na minha frente os meus próprios limites e as minhas pobrezas, e dizendo-me claramente: “ Você não esta preparada, não tem a cultura suficiente”. Eu consentia dizendo:” É verdade, mas não consigo dormir tranqüila”. Dentro de mim tinha começado um vulcão e sentia que devia dar uma resposta aquele Deus que tinha me dado um dom para ser devolvido aos jovens. Foi uma espera muito dolorosa. Enfim eles aceitaram e iniciei, numa velha casa em ruína que o município de Saluzzo nos deu em comodato. Esta casa não era idônea como habitação, mas consegui, com muito entusiasmo e muita fé, junto com outras duas irmãs e uma leiga consagrada. Abrimos as portas depois de uma semana entraram os primeiros rapazes. Suas rotinas consistiam em levantar cedo e ir para a roça trabalhar. Somente depois de mais de um mês, um deles, numa manhã, sentou-se perto de nós, enquanto rezávamos e disse :“ Quero entender o que vocês estão fazendo”. Depois dele, também outros se juntaram a nós na oração. Não propusemos a oração, mas somente dissemos: "Acolhemos o homem assim come ele è. O homem è feito à imagem de Deus, então já è oração para nós que temos fé."
O primeiro momento em que a minha alma estremeceu, foi quando de livre e espontânea vontade, eles pegaram os breviários e começaram a rezar conosco.
Vivi uma gratidão imensa para com Deus, pois me doou uma intensa felicidade de ver os jovens, que até então eram escravos do mal, das trevas, rezarem conosco. No começo, vivemos em meio a muita pobreza, pois não tínhamos nada. Havia quatro paredes sem portas nem janelas, mato em cada canto, não tínhamos nenhum utensílio: nem mesas, nem cadeiras...nada! Lembro que num sábado desci até o mercado e parei diante do balcão das ferramentas agrícolas. Olhava para elas com saudade pois, não podíamos trabalhar sem aquelas ferramentas, todavia não podíamos comprá-las porque não tínhamos dinheiro. Provavelmente era estranho ver uma freira que fitava  os instrumentos de trabalho, de fato passou perto de mim um senhor e me perguntou: ”Irmã, está precisando de alguma coisa?” Eu respondi:” Sim, precisaria desta ferramenta e também desta outra, mas não tenho dinheiro”. Ele me respondeu: ”Não tem problema, faça suas compras, e eu penso nisso”. Logo depois este mesmo senhor me acompanhou até a casa, que ficava alguns quilômetros do centro, e me disse: ” Vamos, eu vou levar tudo isso para você”. Ele tinha comprado para nós o cortador de grama, e tudo o que precisávamos para ocupar os nossos meninos na organização da casa. Este foi o primeiro sinal da Providência na nossa Comunidade, um sinal que me abriu ainda mais os olhos em relação à obra que Deus estava iniciando. Estava abrindo uma Comunidade como muitas outras na Itália, mas naquele momento, entendi que não devíamos nos concentrar sobre as certezas humanas que nos ofereciam, ou sobre as mensalidades dos pais, disponíveis em dar aquilo que era pedido a eles, para salvar o filho da droga. Percebi que devia propor o amor de Deus e confiar totalmente n’Ele.
Propondo o amor de Deus devíamos eliminar de maneira radical a dependência segura e certa do dinheiro, que tinha servido aos rapazes para se matarem. Jovens que gastavam as vezes mais de 600 reais por dia para o consumo da droga; para eles o dinheiro era uma chamada para a morte. Para mim era fundamental propor a oração e a confiança em Deus e também não desiludi-los. Ao drogado não se pode falar teoricamente. Sobretudo no começo, eles não podem entender o amor de Deus, eles vêem somente o seu amor. Precisam ver que você tem uma misericórdia infinita através de gestos concretos. Por este motivo era necessário excluir da nossa terapia tudo aquilo que deixa seguro aos homens: o dinheiro. Quando você tem dinheiro se sente mais forte, mais poderoso e as vezes mais prepotente, era assim que eles faziam quando tinham muito dinheiro no bolso. Esta foi uma grande escolha de liberdade que a Comunidade fez. Os mesmos rapazes ficavam maravilhados que ao entrar na Comunidade não era necessário pagar a mensalidade e que também a própria Comunidade não recebia o dinheiro que o governo oferecia por este serviço público. Mas o motivo fundamental era demonstrar aos jovens que Deus existe de verdade, que Ele é um Pai interessado para com seus filhos e que a Providência  nos vigia dia e noite. Não podia contar estas coisas com as palavras, precisava que as tocassem com as mãos, que as experimentassem pessoalmente. Vivemos momentos de grande pobreza sobrevivendo apenas com o essencial; comemos por muito tempo utilizando nossas próprias mãos, pois não tínhamos talheres, dormíamos no chão sobre a grama que cortávamos durante o dia, porque não havia colchões e camas, estávamos esperando os tempos de Deus como escolha de fé. Nos colocamos na condição de ser pobres, porque desejávamos atrair a Providência e a Misericórdia de Deus. O que estava iniciando, também era incompreensível para mim, era algo de grande, de lindo, de importante para Deus... Desde aquele momento Deus nunca deixou de maravilhar-me, nasceram outras casas, muitos jovens, famílias... agora consagrados: De verdade, “Nada é impossível para Deus”.

 

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